«Ouriço foi concebida durante a pandemia e, contra nossas expectativas iniciais, nasce ainda sob sua vigência. Como tudo o que vive, é natural que também a revista traga as marcas de seu tempo e local de nascimento. Com efeito, ela é resultado de uma conversa já antiga entre três (e mais) amigos sobre literatura que se intensificou virtualmente durante o período de isolamento social. Ler, pensar e conversar sobre poesia, conceber formas de potencializar sua presença em nossas vidas, fazer planos que a envolvam e que redundem em sua disseminação também para além de nós – essas foram as maneiras que encontramos de atravessar o presente, elaborá-lo, talvez desafiá-lo.
O que pode a poesia no presente? – e, sobretudo, contra o presente, contra este presente? E o que pode uma revista de poesia? Antes de pretender oferecer uma resposta, a Ouriço quer ser um campo aberto, uma caixa de ressonância em que a questão possa ser colocada em toda a sua dimensão de conflito e aporia. Em seu complexo convívio de fortaleza e desproteção, ameaça e fragilidade, o animal que empresta seu nome à revista é também uma imagem para isso. Como no poema de João Cabral de Melo Neto, “Uma ouriça”, que nos deu a inspiração para o título, a ouriça “se fecha (convexo integral de es fera)”, e também “se eriça (bélica e multiespinhenta)”, “mas não passiva” e “nem só defensiva” – “capaz de bote, de salto”, e também de se “desouriçar”.
Também o tema geral que livremente organiza este primeiro número da revista – o verso de Maiakovski, arrancar alegria ao futuro – se compreende como uma reação ao presente. Se a suspensão das promessas que o século XX depositou no futuro já pôde ser saudada, com razão, como uma libertação da tirania messiânica daquilo-que-nunca-chega em prol da vida e da arte do tempo de agora, hoje tal suspensão parece revelar a sua contraface. Ao invés de abertura, o eterno presente que se abateu sobre nós parece reduzir o âmbito do possível a um claustrofóbico sempre-o-mesmo. O risco do desconhecido dá lugar à proteção da clausura. O fim das utopias arrisca converter-se em distopia. Com a situação de isolamento que vivemos há mais de um ano, essa claustrofobia deixou de ser metafórica. Assim, sem ignorar as urgências do presente, este primeiro número da Ouriço convida seus leitores a repensar o sentido do futuro quando de seu aparente cancelamento histórico: ainda é possível e desejável arrancar alegria ao futuro? A qual futuro, ou a quais futuros? Em que a poesia pode contribuir para essa tarefa?
A Ouriço nasce sob o signo dessas interrogações. Por acreditar que, talvez hoje mais do que nunca, elas são inseparáveis da vivência e da prática de po esia, a revista gostaria de se compreender necessariamente também como uma revista de crítica. Por isso, ao lado das seções de poesia inédita (Pequena Estética) e traduzida (Babilônia), figuram também seções dedicadas ao exer cício do ensaio (Antimétodo) e da resenha crítica (A espreita), para além de outros espaços híbridos.
Alguns leitores já terão reconhecido que as seções da Ouriço remetem ao universo da poesia de Sebastião Uchoa Leite, que a revista elege como seu patrono. Poeta do duplo, do enigma, da concisão e inteligência formal, da de sestabilização de identidades estanques, da corrosão crítica e irônica, além de tradutor e arrojado ensaísta, Sebastião congrega em si alguns dos principais valores que inspiram a concepção da revista. A Ouriço gostaria de ser uma homenagem ao poeta pernambucano e um veículo de difusão e celebração crítica de seu legado.»
Os editores
O que disseram sobre a revista:
Minas Gerais ganha nova revista literária (Estado de Minas)
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